
As maiores economias do mundo já tratam suas cadeias de suprimentos como um ativo estratégico. Os Estados Unidos publicaram, em 2021 e novamente em 2024, planos nacionais para fortalecer setores críticos, reduzir riscos produtivos e ampliar a resiliência logística. A União Europeia segue caminho semelhante, com políticas integradas de segurança industrial e digitalização. Mesmo países emergentes, como Índia e México, adotaram diretrizes oficiais para inserir suas cadeias produtivas em rotas globais de maior valor. O Brasil, porém, permanece sem uma estratégia nacional de supply chain — e isso cobra um preço alto.
Um país dependente de logística, mas sem diretriz unificada
O Brasil depende profundamente de sua logística para sustentar exportações, abastecer indústrias e garantir competitividade. Porém, decisões sobre infraestrutura, comércio exterior, tecnologia, energia e regulação continuam fragmentadas em diferentes ministérios, agências e empresas estatais. Falta coordenação que alinhe essas políticas a um objetivo comum: reduzir custo logístico, aumentar previsibilidade e integrar o país às cadeias globais.
Na prática, o Brasil opera com múltiplos “minissistemas logísticos” que não se conversam. Portos com baixo nível de digitalização, fronteiras despadronizadas, excesso de burocracia, dependência do modal rodoviário e lentidão na integração multimodal tornam o sistema nacional mais caro e menos confiável que o de outros mercados emergentes. Sem uma estratégia nacional, cada ator otimiza seu próprio pedaço — mas o país perde competitividade como um todo.
O mundo já trabalha em blocos logísticos
As cadeias globais estão passando por uma reconfiguração acelerada. Tensões geopolíticas, mudança climática, risco produtivo na Ásia e políticas industriais de EUA e Europa levaram ao fortalecimento de rotas regionais e parceiras confiáveis. Empresas buscam fornecedores previsíveis, próximos e integrados digitalmente.
Nesse cenário, países que possuem estratégias nacionais de supply chain conseguem:
atrair empresas globais que buscam estabilidade;
priorizar investimentos em infraestrutura com maior retorno econômico;
reduzir riscos sistêmicos e gargalos;
acelerar digitalização e automação;
alinhar indústria, comércio exterior e política tecnológica.
EUA, México, Índia e Canadá são exemplos recentes de países que ganharam participação em cadeias globais justamente por combinar infraestrutura, política industrial e integração regulatória.
Por que o Brasil não avançou
Existem quatro barreiras principais:
1. Fragmentação institucional
Infraestrutura, comércio exterior, indústria, tecnologia e agricultura são tratados como políticas separadas. Faltam metas unificadas e indicadores nacionais de desempenho logístico.
2. Falta de visão de longo prazo
Planos mudam a cada governo. Sem estabilidade regulatória, projetos estratégicos perdem continuidade e investidores reduzem apetite.
3. Ausência de integração com cadeias regionais
Enquanto o México se integrou ao mercado norte-americano e a Colômbia avança em acordos de facilitação comercial, o Brasil segue isolado de blocos econômicos relevantes.
4. Baixa digitalização da logística nacional
Portos, fronteiras, transportadoras e operadores ainda trabalham com plataformas desconectadas. Sem dados integrados, não existe gestão sistêmica.
O que seria uma estratégia nacional de supply chain
Uma estratégia moderna deveria combinar:
digitalização profunda do comércio exterior, com integração plena de dados;
investimentos coordenados em portos, ferrovias e corredores logísticos;
padronização documental e regulatória, reduzindo burocracia;
política industrial voltada para cadeias de alto valor, alinhada aos EUA e UE;
governança nacional única, capaz de gerenciar riscos e priorizar projetos;
planejamento para resiliência climática, hoje ignorado;
redução da dependência rodoviária, hoje responsável pela maior parte dos gargalos.
Sem isso, o país continuará preso a ciclos de crises logísticas e perda de competitividade industrial.
Conclusão
O Brasil não carece de capacidade produtiva ou potencial logístico. O que falta é integração — uma visão que trate supply chain como ativo estratégico nacional e não como um conjunto de operações isoladas. Sem uma estratégia clara, o país seguirá abaixo de seu potencial e distante das novas cadeias globais que estão se formando. O mundo já organiza seu futuro logístico; o Brasil ainda discute o presente.
Thiago da Silveira Pinto Machado é especialista em logística internacional, supply chain e comércio exterior, com mais de 13 anos de atuação em multinacionais dos setores de energia, siderurgia e agronegócio. Autor dos livros Resilient Supply Chains, Brasil Logístico do Futuro e Border Intelligence, dedica-se ao estudo de integração Brasil–EUA, modernização portuária e digitalização das cadeias globais. Membro do Council of Supply Chain Management Professionals (CSCMP), possui certificação executiva em Supply Chain Strategy pela Rutgers University.
